Um excelente texto de Carlos Mineiro Aires sobre o uso abusivo dos títulos conferidos pela Ordem dos Engenheiros:


Recentemente, um órgão de comunicação social solicitou à Região Sul da Ordem dos Engenheiros (OE) informação sobre se um determinado cidadão estava inscrito na OE e se, no caso de não estar, podia utilizar o título de Engenheiro, questão que, neste caso, configura uma exceção ao generalizado desconhecimento que existe em relação a este tema e que, por vezes intencionalmente, não interessa esclarecer.

Este é, pois, um assunto com que os nossos membros nos confrontam assiduamente e que requer este pequeno esclarecimento e ao qual prometo voltar em breve.

Como saberão, compete à OE, nos termos dos seus atuais Estatutos, aprovados por Decreto-Lei, atribuir o título profissional de engenheiro e regulamentar o exercício da respetiva profissão, razão pela qual, quem não for membro da OE, não poderá utilizar o título profissional de engenheiro.

Do mesmo modo, compete à Ordem dos Engenheiros Técnicos (OET), conceder o título de engenheiro técnico e regular o acesso e exercício da profissão de engenheiro técnico, pelo que quem não for membro desta associação também não poderá utilizar o título profissional de engenheiro técnico, de acordo com os seus Estatutos, também aprovados por diplomas legais.

Com a criação de uma outra Ordem, passaram a existir duas associações profissionais que atribuem títulos profissionais diferenciados e que regulam duas profissões, ficando, desse modo, politicamente reconhecido que, na área da engenharia, existem duas profissões distintas, a que correspondem títulos profissionais diferentes.

Logo, quando determinado cidadão, ao ser tratado por um título incorreto ou inadequado, não corrige o seu interlocutor e age conscientemente, por omissão, induzindo os recetores em erro, o que entendemos que deveria fazer prontamente, tal não se trata de uma questão de elitismo, como muitos argumentam, mas unicamente de uma questão de natureza legal, confusão que interessa esclarecer e recomendar que passe a constituir uma prática salutar.

Na última edição da revista Ingenium, dedicada ao tema “O Ensino da Engenharia em Portugal”, - uma edição para guardar, dado que está recheada de inúmeros artigos e de entrevistas da mais elevada qualidade, onde os esclarecidos pontos de vista dos seus autores pauteiam - , poderemos observar que o designado Processo de Bolonha ainda mais veio contribuir para a confusão que se instalou e que tarda em ficar esclarecida.

Com efeito, daí decorreu que os licenciados (pós Bolonha) também passaram a poder optar livremente por exercer uma das duas profissões existentes e reguladas, a que correspondem os títulos profissionais de engenheiro ou de engenheiro técnico, como veremos.

A Região Sul, para que conste, perante a irreversibilidade da implementação do designado Processo de Bolonha esteve sempre na primeira linha da iniciativa conducente a que a OE soubesse e pudesse adaptar-se a esta nova realidade, o que veio a ser aprovado pela Assembleia de Representantes, em julho de 2011, e que ficou plasmado numa adaptação do Regulamento de Admissão e Qualificação (RAQ), diferenciando os seus membros, aquando da admissão, de acordo com a sua qualificação, ou seja, Grau de qualificação E1 (Membros com licenciatura em engenharia, pós Bolonha), Grau de qualificação E2 (Membros com mestrado em engenharia pós Bolonha e licenciados pré Bolonha) e, ainda, o Grau de qualificação E3, para membros com doutoramento em engenharia.

Deste modo, a Ordem dos Engenheiros, mostrando a sua modernidade e capacidade de adaptação aos novos enquadramentos políticos, profissionais e do ensino superior de engenharia, mas também invocando os direitos estatutários históricos relativos à admissão de licenciados, foi capaz de encontrar uma solução que não impede o acesso à profissão e à inscrição na OE, de quem legitimamente pretenda utilizar o título e exercer a profissão de engenheiro.

No entanto, no caso da Ordem dos Engenheiros, onde a regulação da profissão sempre foi exercida e norteada por critérios de elevada exigência, a admissão de licenciados (pós Bolonha) com 3 anos de formação superior (1o ciclo) terá de implicar forçosamente e salvo muito raras exceções, no início das suas carreiras, a limitação dos atos de engenharia que, no imediato, poderão praticar, pois, a experiência de 76 anos de vida da Ordem e uma razoável dose de senso, assim o aconselham.

Não nos parece razoável admitir que um licenciado detentor do 1o ciclo possa ter adquirido conhecimentos suficientes e abrangentes que lhe permitam iniciar a sua vida profissional sem quaisquer limitações (salvo as já referidas exceções) obtendo, para tal e obrigatoriamente, o reconhecimento da sua associação profissional, o que não pode ser, de forma alguma, entendido como uma limitação ao direito do exercício da profissão, mas apenas clarividência e prudência.

Estando, neste momento, em discussão com o Governo a adequação do Estatuto da Ordem dos Engenheiros ao regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, estabelecido pela Lei no 2/2013, de 10 de Janeiro, julgámos importante esclarecer este particular aspeto dos nossos atuais Estatutos e RAQ, para que a eventual imposição de significativas alterações possa ser melhor entendida pelos nossos membros.

Nota final:
Bolognese sauce, known in Italian as “ragù alla bolognese”, is a meat-based sauce originating from Bologna, Italy (fonte: Wikipédia)

Com a habitual estima,
Carlos Mineiro Aires
Presidente do Conselho Diretivo da Região Sul