Carta Aberta aos Engenheiros de Fernando Silveira Ramos, Candidato a Bastonário da OE

Decidi candidatar-me a Bastonário da nossa Ordem. Já tarde, em relação ao “politicamente correcto”, mas espero que em boa hora. Para quem não me conhece (o que com a dimensão que hoje temos será a maioria) informo que sou o associado 8587, formado em Engenharia Civil no IST. Iniciei a minha carreira no Laboratório Nacional de Engenharia Civil e continuei-a até hoje na
empresa privada de estudos e projectos Consulmar, sempre envolvido no domínio das “águas salgadas”. A única referencia profissional que, no contexto desta candidatura, gostaria de salientar, é o recente prémio de excelência de carreira, atribuído pela Delegação Portuguesa da Pianc (World
Association for Waterborne Transport Infrastructure) e que tem o nome do meu amigo e primeiro “chefe” Fernando Abecasis.
O gosto pela intervenção social e profissional de índole associativa acompanha-me desde muito cedo. Primeiro na universidade, depois no LNEC e depois na actividade privada. Julgo que é uma predisposição que me está na massa do sangue, que faço sem sacrifício, por gosto e com gosto.
Quem me conhece sabe que gosto de ir á luta, que gosto do trabalho de equipa, que não me acomodo ao cinzentismo e que quando critico estou disposto a assumir responsabilidades inerentes. Às vezes dizem que sou demasiado irreverente, provocador e frontal. Eu acho que sou
só qb. Foi assim que participei em várias frentes e nas mais variadas responsabilidades, entre as quais saliento a de Presidente da APPC (Associação Portuguesa de Projectistas e Consultores) para a qual fui eleito em 3 mandatos (entre 1998 e 2006). Se for agora eleito para este novo desafio irei coordenar uma vasta equipa que me irá acompanhar nos próximos 3 anos. A seu tempo iremos apresentar um programa, construído em conjunto, que desejo curto e claro, com o desenvolvimento dos principais eixos da intervenção a que nos propomos. Para já, além de vos anunciar esta minha disposição e de vos dizer resumidamente quem sou e ao que venho, gostaria de partilhar convosco algumas preocupações, ideias e
propostas, da minha exclusiva responsabilidade, que ajudaram a auto convencer-me a dar este passo.
1. A nossa Ordem está a entrar numa nova etapa. Depois do arrumar da casa, de serem lançadas as bases da actual organização interna e da consolidação do processo de acreditação dos cursos (nos mandatos do Bastonário Francisco Sousa Soares) veio uma maior afirmação
externa e o nosso envolvimento num conjunto de discussão e produção legislativa que criou um novo enquadramento legal para o exercício da profissão e para a sua contratação (essencialmente nos mandatos do actual Bastonário Fernando Santo).
Um maior profissionalismo da estrutura orgânica e a criação de condições que permitam uma maior disponibilidade dos engenheiros de referência para se envolverem e assumirem responsabilidades na Ordem, é, agora, um imperativo.
Para tal, para além do aprofundamento dos caminhos então iniciados, temos de efectuar uma reflexão profunda sobre as consequências desse novo enquadramento, de rever as novas exigências orgânicas e de proceder às alterações estatutárias que a experiência destes anos e a situação actual recomendarem. É urgente o ajustamento da engenharia e dos engenheiros a
um mercado e a um tecido social em mutação.
2. O sector privado e os seus técnicos, nomeadamente os seus engenheiros, vêm ganhando importância através do crescimento e da proliferação das estruturas empresariais de ensino, de investigação e, especialmente, de prestação de serviços. Os poderes politico/administrativo, que se assumem crescentemente apenas como entidades de regulação e controlo (perdendo infelizmente nesse percurso muitas das suas capacidades e competências técnicas), têm-se reposicionado. Estes dois factos obrigam a reflectir sobre a dinâmica introduzida na nossa cultura associativa e no perfil dos nossos associados e, consequentemente, nas características
da nossa estrutura orgânica e da sua direcção.
Uma maior independência em relação às fontes do poder real (politico, administrativo, empresarial, profissional), uma crescente parceria com todos os actores situados nas nossas fronteiras, uma maior capacidade reivindicativa e de afirmação própria da engenharia, e uma
reafirmação dos objectivos de interesse público da nossa intervenção, são também imperativos de enquadramento das nossas acções futuras.
3. A Ordem é, de acordo com os nossos estatutos, uma instituição de interesse público cuja actuação visa a defesa desse mesmo interesse público e da qualidade da engenharia portuguesa. Ela não é uma organização sindical, nem empresarial, nem mesmo profissional, de defesa de interesses individuais ou de grupo. A engenharia tem sido em muitas conjunturas um dos motores do desenvolvimento do País e a qualidade dessa engenharia é um valor que tem tido nisso um papel determinante. A Ordem tem de ser o principal garante desse valor e deve ter a preocupação permanente de o
promover.
A distinção entre uma insustentável defesa corporativa dos interesses individuais ou de grupo, e a defesa da qualidade da engenharia como vector determinante no desenvolvimento nacional e do interesse público nem sempre é evidente. É preciso não cair na armadilha de fazer a defesa de umas sob a capa das outras e saber recusar o papel de ingénuos úteis.
4. Com muito mais relevo do que noutras associações profissionais, incluindo as outras ordens, a nossa Ordem caracteriza-se por integrar engenheiros localizados e em situações completamente diferentes na estrutura produtiva/administrativa nacional. Na verdade temos no nosso seio o dirigente e o dirigido; o contratante e o contratado; o regulador e o regulado; quem projecta, quem constrói e quem o controla; o formador e o formando; etc, etc.
Esta situação, que para os mais desatentos é uma condicionante ou mesmo a razão de alguns bloqueamentos, é, na verdade, uma das razões do nosso êxito e da nossa força. É isso que nos obriga a um grande esforço de concertação interna e a procurar soluções justas, integradas
e equilibradas. É isso que nos facilita não embarcar na defesa de interesses de grupo e nos conduz ao que nos diferencia de muitos outros. Manter e assumir esta característica, pode não ser pacífico mas é determinante.
5. A Ordem tem 3 "dimensões": a das Regiões, a das Especialidades e a dos Sectores Económicos. Destas 3 dimensões, a última não tem expressão orgânica e as duas primeiras correspondem á tradicional orgânica interna: a) a dimensão regional, organizada em torno das três Regiões e das duas Secções Regionais Autónomas; b) a dimensão da especialidade
organizada em torno dos 12 Colégios. Os Sectores Económicos mais característicos da "dimensão" não organizada da Ordem, são os da construção (e produção de bens transaccionáveis), do ensino/investigação, dos estudos/projectos/fiscalização/gestão, e da administração pública central/regional.
Não parece no entanto que seja oportuno encarar a estruturação orgânica desta "dimensão" da Ordem. As dimensões organizadas da Ordem, a das Regiões e a das Especialidades deverão no entanto ser vistas não só como função de organização mas como motor de implantação e de
intervenção. Como prioridade temos de reforçar a dimensão das Especialidades deslocando para os Colégios mais competências, mais responsabilidades e mais visibilidade, sem com isso comprometer a necessidade vital de um pensamento nacional e concertado sobre as questões determinantes da engenharia.
6. A Ordem já hoje tem uma participação relevante e reconhecida no movimento social. É no entanto necessário aprofundar essa participação, reforçar o papel da Ordem na qualificação profissional, estreitar os laços com as unidades de investigação, fomentar a valorização da inovação e da criatividade na contratação da engenharia, aprofundar a relação com o sistema de ensino, mantendo, em paralelo, rigor nos processos de reconhecimento dos cursos e das acções de qualificação profissional. A Ordem deve ser um motor no levar do saber da Academia às empresas e da necessidade do saber das empresas à Academia.
É necessário fazer o caminho da concertação e do estabelecimento de parcerias com os principais actores públicos e privados (incluindo as outras Ordens e associações profissionais), que interferem na regulação, na contratação e no controlo dos actos de engenharia e que, por via disso, determinam, no essencial, a qualidade real da engenharia produzida. O diálogo não é o fim deste caminho mas apenas um meio de atingir o nosso objectivo de concertação de posicionamentos e de acções. O novo enquadramento legal cria algumas novas dificuldades que vão exigir eventuais novos confrontos, mas também abre algumas portas de oportunidade que precisam de ser bem exploradas e que vão exigir flexibilidade e capacidade negocial.
7. Temos de desencadear uma acção permanente, programada e concertada, de afirmação da qualidade da engenharia nacional e dos valores éticos da actividade dos nossos engenheiros.
Temos de reconhecer que a imagem pública da engenharia e dos engenheiros não é a que desejamos nem mesmo a que julgamos merecer. Somos demasiadas vezes conotados com situações de falta de transparência e mesmo de corrupção. Na verdade não há processo
mediático que se preze que não tropece nalguns "engenheiros". Alguns desses "engenheiros" não são "nossos", nem, verdadeiramente, engenheiros são. Mas isso é quase irrelevante. À mulher de César exige-se que seja séria mas também que transmita essa imagem.
Não se trata de montar apenas um bom cenário de transformação de imagem. Trata-se de alterar realmente algumas práticas e/ou ter a coragem de as denunciar. Para isso temos de passar a ter uma acção assumidamente pró-activa no combate á crescente corrupção, com especial incidência nos dois principais pilares que a sustentam: a) a falta de transparência de
muitos actos concretos de engenharia e, b) a perceptível promiscuidade de actividades e de interesses na engenharia. A realização de auditorias pró-activas, por iniciativa própria da Ordem, é, entre outros, um instrumento a considerar.
Como vos digo no inicio desta Carta Aberta, estas são as principais linhas de força que me conduziram ao limiar da candidatura. Mas outra consideração não teve menos peso na tomada de decisão. Tratou-se do perfil da liderança, capaz de conduzir um processo com estas características.
Como acontece sempre, os objectivos, as estratégias e as conjunturas determinam o perfil das lideranças e das organizações. Também aqui e agora isso acontece. Vai ser necessária uma actuação comprometida e frontal; concertação interna mas, provavelmente, também confronto;
pensar radical, falar claro mas agir em concertação, será o caminho; ir á luta, correr riscos, ter coragem mas saber recuar; fazer isso tudo por necessidade, mas também com gosto, muito gosto.
Com outros objectivos, com outras prioridades ou por outros caminhos poderia não ser eu a pessoa certa para liderar este novo combate. Com estes objectivos, prioridades e caminhos atrevome a dizer que sim, que tenho o perfil adequado a este desafio. Não será um caminho a percorrer
sozinho. Para já tenho o prazer de vos anunciar que estarão comigo como Vice-Presidentes os nossos colegas Teresa Ponce Leão, da Região Norte e do Colégio de Engenharia Electrotécnica, e o Paulo Reis, da Região Sul e do Colégio de Engenharia Civil.
Esta não é portanto uma candidatura contra ninguém mas também não é uma candidatura de mera continuidade nos conteúdos das acções e, muito menos, na forma de as exercer. Esta é uma candidatura que vale por si e que se revê na continuidade do trabalho feitos nas etapas anteriores.
Uma candidatura para uma numa nova fase, agora com outros objectivos, com outras características, com outras exigências e, consequentemente com necessidade de um outro estilo de liderança. De quem me conhece espero que me reconheça nele e a quem não me conhece peço que se informe e me dê o benefício da dúvida. A todos apelo que me acompanhem neste
desafio.


Fernando Silveira Ramos